O
canteiro das margaridas.
Aspira-se polem, expira-se flor.
Onze de maio de
2018.
Os dedos de Allana
percorrem delicadamente as margaridas, repousadas em canteiros, ela inspira
profundamente levando até seus pulmões o frescor da manhã.
Seus pensamentos
entorpecidos, despertam com uma figura estranha correndo animadamente, seguida
por outras percorrendo o mesmo caminho, com a mesma avidez.
Allana adentrou o coração
do jardim, não desejava a companhia incômoda, de atletas matinais.
Usava um vestido azul de
botões e não se perdoou por esquecer o casaco.
Sentou-se em seu banco
cativo, de frente ao mais belo e robusto canteiro de margaridas, tão denso que
era quase impossível observar o solo.
Em seu lugar de sempre, perpetuava pensamentos
enquanto, embebia-se da seiva branca, dançando ao vento.
Allana esfregava as mãos,
em um movimento repetitivo, ora a esquerda sobre a direita, ora a direita sobre
a esquerda, continuadamente sem pausa, sem descanso.
— Com frio?
Perguntou-lhe um idoso,
cuja aproximação não havia pressentido.
Que inconveniente — pensou.
— Posso me sentar?
Não desejava ser rude com
o senhor, então mesmo a contragosto consentiu.
— Tenho um casaco extra,
posso lhe oferecer, espero não estar sendo abusado.
Era tudo o que ele estava
sendo, mas novamente Allana concordou.
O velho entregou-lhe o
casaco.
— Obrigada. — respondeu —
Costuma sair com dois casacos?
— Às vezes. Admirando as flores?
— Sempre!
— Este canteiro é o mais
antigo da praça, tem mais de cem anos, margaridas morrem, margaridas nascem, e
ele sempre estará aqui.
— Sempre venho aqui e não
me lembro, de tê-lo visto.
— Nem sempre nos damos
conta, do que está em nossa frente.
— O senhor é um poeta?
— Não, sou só um velho.
Meu nome é Danrlei. Qual é o seu?
Allana sorriu, era um senhor educado, talvez tão solitário quanto
ela, procurando apenas, alguns minutos de conversa amena, concluiu.
— Amo margaridas, o senhor gosta?
— Muito!
— Em especial gosto
destas aqui. — Allana completou.
— Este canteiro traz uma
triste história, uma mácula.
— Mesmo! Estranho nunca
ouvi falar.
— Foi a muitos anos,
quantos anos tem?
— Vinte e três.
— Foi a oitenta anos, não
me admira que nunca tenha ouvido.
— Gostaria de ouvir se
não for lhe incomodar.
Batista sentou-se a
cabeceira da mesa, esperando o jantar, ser servido por sua jovem esposa,
enquanto preparava seu cigarro.
Suas mãos tremulas colocavam a comida no prato do marido.
— O que de útil a senhora fez hoje? — Perguntou a esposa.
— Meus afazeres, de
sempre, senhor.
— A casa está suja, há pó
na mobilha, a escada não foi lavada, minhas camisas não foram engomadas, meus sapatos não estão polidos,
quer que continue?
— Peço perdão senhor, a barriga, já
me é muito pesada.
A jovem puxou a cadeira
para sentar-se à mesa, então foi advertida.
— Não sente, não me
aborreça com sua presença.
Menos de trinta dias depois
a jovem esposa, deu à luz ao primeiro e único filho do casal. Um menino forte de olhos verdes como os da mãe.
Ao contrário do que ela imaginou,
Batista só aumentou sua crueldade, sem família, casada com um homem trinta anos
mais velho. Ela decidiu-se pela fuga, qualquer coisa era
melhor que aquele inferno.
Carregaria consigo poucas
roupas, algum dinheiro do avarento, pois, sabia onde ele o escondia, seu filho
de dois meses e toda a coragem
que ainda lhe restava.
Partiria para Porto Alegre, e de lá para São Paulo, na
certeza de que Batista, jamais os
encontraria.
A noite de sexta-feira,
era perfeita, o marido jogava carteado, regado a vinho com os amigos e mulheres, quase sempre chegando bêbado ao
raiar do dia.
Vinte três horas marcava
o relógio, a jovem partiu com o filho nos braços.
A lua de uma noite fria
de maio, não apenas iluminava as ruelas
escuras, como também a delatou a um amigo de seu marido, ela
apressou-se, dando-se conta que não demoraria para ser alcançada.
Imaginou que sua única chance era esconder-se nos
jardins da praça, estava enganada.
Ela tirou o casaco, e enrolou
o bebê.
— Não chores, meu amor,
por favor, durma, durma por nós, por
mim.
Deu-lhe um beijo colocando-o
em meio as margaridas.
Ficou parada do lado
oposto do canteiro, em lágrimas.
— Não se esconda maldita,
acabas de desgraçar minha vida, desonrar meu nome, matarei a ti e ao teu filho.
Ao ser encontrada, não
tinha medo e sim uma coragem, que não
sabia existir dentro de si.
— Onde está a criança?
— Se foi, nunca mais o
verá.
A clássica acusação dos
covardes, foi feita.
— Teu amante o levou. Não
foi?
Seu
rosto sentiu a mão pesada do ódio.
Ela caiu de joelhos, esfregava as mãos uma sobre a
outra, buscando um plano para continuar a viver.
Batista
a agarrou pelos cabelos, arrastando-a próximo ao canteiro de margaridas.
—
NÃO! — gritou.
Os
anjos sabiam, que não era por sua vida que temia.
Com
um canivete, ele a golpeou, nas mãos, no rosto, na barriga, no peito, sem
descanso.
Ao
golpeá-la no pescoço, recebeu um tiro, na testa, caindo morto, safando-se do julgamento
terreno.
O
delegado aproximou-se, da jovem e
implorou que lutasse.
—
Cuide do meu anjo, diga que sempre estarei aqui, por ele.
Ele
não entendeu seu pedido, mas assentiu
com a cabeça, segurando suas mãos ensanguentadas, testemunhando seus olhos se
fecharem e sua existência partir.
Os
corpos foram retirados da praça, mas o jovem delegado permaneceu olhando para o canteiro das margaridas, e esse
chorou ao raiar do dia.
Allana com os olhos
marejados buscou a mão do idoso, e as segurou.
Olhou em seus olhos
verdes como os seus, acariciou e beijou
seu rosto.
Sim, ela sempre esteve lá
a sua espera.
Levantou-se o olhou mais
uma vez sorriu, e foi dormir com as margaridas.
Onze de maio de
2019.
O dia
mal havia começado e Allana percorria a praça, indo sentar-se de frente a seu canteiro
preferido de margaridas.
Notou a
aproximação de um velho que andava apoiando-se em uma bengala.
Espero
que não sente ao meu lado — pensou — mas ele sentou-se, sorriu, ela sem saber a
razão, não impediu o intruso de ficar.
Inspira-se angústia,
expira-se alívio.
Todos os direitos
reservados ao autor.
ISBN n.º 978-65-00-30642-2
Lindo muito bem escrito.
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