Marcadores

Pesquisar este blog

5.10.21

O canteiro das margaridas.

O canteiro das margaridas.

 

Aspira-se polem, expira-se flor.

 

 Onze de maio de 2018.

Os dedos de Allana percorrem delicadamente as margaridas, repousadas em canteiros, ela inspira profundamente levando até seus pulmões o frescor da manhã.

Seus pensamentos entorpecidos, despertam com uma figura estranha correndo animadamente, seguida por outras percorrendo o mesmo caminho, com a mesma avidez.

Allana adentrou o coração do jardim, não desejava a companhia incômoda, de atletas matinais.

Usava um vestido azul de botões e não se perdoou por esquecer o casaco.

Sentou-se em seu banco cativo, de frente ao mais belo e robusto canteiro de margaridas, tão denso que era quase impossível observar o solo.

Em  seu lugar de sempre, perpetuava pensamentos enquanto, embebia-se da seiva branca, dançando ao vento.

Allana esfregava as mãos, em um movimento repetitivo, ora a esquerda sobre a direita, ora a direita sobre a esquerda, continuadamente sem pausa, sem descanso.

— Com frio?

Perguntou-lhe um idoso, cuja aproximação não havia pressentido.

 Que inconveniente —  pensou.

— Posso me sentar?

Não desejava ser rude com o senhor, então mesmo a contragosto consentiu.

— Tenho um casaco extra, posso lhe oferecer, espero não estar sendo abusado.

Era tudo o que ele estava sendo, mas novamente Allana concordou.

O velho entregou-lhe o casaco.

— Obrigada. — respondeu — Costuma sair com dois casacos?

— Às vezes.  Admirando as flores?

— Sempre!

— Este canteiro é o mais antigo da praça, tem mais de cem anos, margaridas morrem, margaridas nascem, e ele sempre estará aqui.

— Sempre venho aqui e não me lembro, de tê-lo visto.

— Nem sempre nos damos conta,  do que está em nossa frente.

— O senhor é um poeta?

— Não, sou só um velho. Meu nome é Danrlei. Qual é o seu?

Allana  sorriu,  era um  senhor educado, talvez tão solitário quanto ela, procurando apenas, alguns minutos de conversa amena, concluiu.

— Amo margaridas,  o senhor gosta?

— Muito!

— Em especial gosto destas aqui. — Allana completou.

— Este canteiro traz uma triste história, uma mácula.

— Mesmo! Estranho nunca ouvi falar.

— Foi a muitos anos, quantos anos tem?

— Vinte e três.

— Foi a oitenta anos, não me admira que nunca tenha ouvido.

— Gostaria de ouvir se não for lhe incomodar.

 

Batista sentou-se a cabeceira da mesa, esperando o jantar, ser servido por sua jovem esposa, enquanto preparava seu cigarro.

Suas mãos tremulas  colocavam a comida no prato do marido.

— O que de útil  a senhora  fez hoje? — Perguntou a esposa.

— Meus afazeres, de sempre, senhor.

— A casa está suja, há pó na mobilha, a escada não foi lavada, minhas camisas não foram  engomadas, meus sapatos não estão polidos, quer que continue?

— Peço perdão senhor,  a barriga, já  me é muito pesada.

A jovem puxou a cadeira para sentar-se à mesa, então foi advertida.

— Não sente, não me aborreça com sua presença.

Menos de trinta dias depois a jovem esposa, deu à luz ao primeiro e único filho do casal.  Um menino forte de olhos verdes como os da mãe.

Ao contrário do que ela imaginou, Batista só aumentou sua crueldade, sem família, casada com um homem trinta anos mais velho.  Ela  decidiu-se pela fuga, qualquer coisa era melhor que aquele inferno.

Carregaria consigo poucas roupas, algum dinheiro do avarento, pois, sabia onde ele o escondia,  seu filho  de dois meses e  toda a coragem que ainda lhe restava.

Partiria para  Porto Alegre, e de lá para São Paulo, na certeza de que Batista,  jamais os encontraria.

A noite de sexta-feira, era perfeita, o marido jogava carteado, regado a vinho  com os amigos e  mulheres, quase sempre chegando bêbado ao raiar do dia.

Vinte três horas marcava o relógio, a jovem partiu com o filho nos braços.

A lua de uma noite fria de maio, não apenas  iluminava as ruelas escuras,  como também  a delatou a um amigo de seu marido, ela apressou-se, dando-se conta que não demoraria para ser alcançada.

Imaginou  que sua única chance era esconder-se nos jardins da  praça, estava enganada.

Ela tirou o casaco, e enrolou o bebê.

— Não chores, meu amor, por favor, durma, durma por nós,  por mim.

Deu-lhe um beijo colocando-o em meio as margaridas.

Ficou parada do lado oposto do canteiro, em lágrimas.

— Não se esconda maldita, acabas de desgraçar minha vida, desonrar meu nome, matarei a ti e ao teu filho.

Ao ser encontrada, não tinha  medo e sim uma coragem, que não sabia existir dentro de si.

— Onde está a criança?

— Se foi, nunca mais o verá.

A clássica acusação dos covardes, foi feita.

— Teu amante o levou. Não foi?

         Seu rosto sentiu a mão pesada do ódio.

          Ela caiu  de joelhos, esfregava as mãos uma sobre a outra, buscando um plano para continuar a viver.

         Batista a agarrou pelos cabelos, arrastando-a próximo ao canteiro de margaridas.

         — NÃO! — gritou.

         Os anjos sabiam, que não era por sua vida que temia.

         Com um  canivete, ele a golpeou, nas  mãos, no rosto, na barriga, no peito, sem descanso.

         Ao golpeá-la no pescoço, recebeu um tiro, na  testa, caindo morto, safando-se do julgamento terreno.

         O  delegado aproximou-se, da jovem e implorou que lutasse.

         — Cuide do meu anjo, diga que sempre estarei aqui, por ele.

         Ele não entendeu  seu pedido, mas assentiu com a cabeça, segurando suas mãos ensanguentadas, testemunhando seus olhos se fecharem e sua existência partir.

         Os corpos foram retirados da praça, mas o jovem delegado permaneceu  olhando para o canteiro das margaridas, e esse chorou ao raiar do dia.

 

Allana com os olhos marejados  buscou a mão do idoso,  e as segurou.

Olhou em seus olhos verdes como os seus,  acariciou e beijou seu rosto.

Sim, ela sempre esteve lá a sua espera.

Levantou-se o olhou mais uma vez sorriu, e foi dormir com as margaridas.

 

Onze de  maio de 2019.

         O dia mal havia começado e Allana percorria a  praça, indo sentar-se de frente a seu canteiro preferido de margaridas.

         Notou a aproximação de um velho que andava apoiando-se em uma bengala.

         Espero que não sente ao meu lado — pensou — mas ele sentou-se, sorriu, ela sem saber a  razão,  não impediu o intruso de ficar.

 

Inspira-se angústia, expira-se alívio.

 

 Autora: Viviani Ketely©

Todos os direitos reservados ao autor.

ISBN n.º 978-65-00-30642-2




Um comentário:

EU

                                                                 Eu   “C” confesso não ser de toda má tampouco estar nos braços ...